Ora vamos lá a isto, esta é a minha primeira experiência a escrever num
blog por isso por favor tenham paciência comigo. Ainda por cima, também já não
escrevo um texto decente em português há uns bons anos pois emigrei para
Inglaterra em 2011, antes do famigerado acordo ortográfico. Consequentemente,
este texto está escrito em português pré acordo. Assim, as criancinhas/jovens
que leiam isto podem ter dificuldades em seguir o texto.
O Bycycling2012blogspot pediu-me para descrever a experiência que é a Coast to Coast, (C2C para os locais que gostam de abreviar tudo). A C2C é provavelmente a rota ciclística mais conhecida do Reino Unido e como o nome indica é uma travessia costa a costa. Sendo uma ilha, há diversas travessias em vários pontos, mas esta é uma das favoritas por diversas razões que explico abaixo.
Mapa das ciclovias que compõem a C2C
Inglaterra é um país excelente para o ciclismo. Tem um sistema de ciclovias
que faz inveja a qualquer país do mundo. Chamam-lhe National Cycle Network (NCN) e consiste numa rede de ciclovias que
atravessa o pais de lés a lés providenciando aos ciclistas rotas com poucos ou
nenhuns carros onde o foco é o ciclista (ver mais sobre a NCN em http://www.sustrans.org.uk/). A C2C aproveitou-se desta infrastrutura para
desenhar a sua própria rota.
Ciclovia à saída de St Bees – dá gosto ciclar assim!
A C2C para ciclistas foi criada em 1994 tendo sido inspirada por uma rota
pedonal traçada por Alfred Wainwright em 1973. A rota original tinha 309 kms
começando a Oeste em St Bees e acabando a Este em Robin Hood’s Bay enquanto que
a rota ciclistica mais usada começa em Workington acabando em Tynemouth
compreendendo 230 kms. Diz a tradição
que temos de levar um pequeno seixo connosco que depois depositamos na margem
oposta.
O pequeno calhau apanhado na praia de St Bees.
O pequeno calhau na praia de Robin Hood’s bay.
(como
cheguei numa maré baixa tive de caminhar uns bons 500 m
para deixar a rocha mesmo
em algo que se parecesse mar)
A C2C consegue acomodar diversos níveis de fitness sendo possível de fazê-la num dia (para os completos fanáticos),
2 dias para os razoavelmente em forma, 3 dias para o comum mortal apreciando as
vistas e 4 ou mais dias para quem utiliza a rota como um roteiro gastronómico
ou umas férias bem relaxadas.
A principal atracção da C2C reside no facto de passar pelas mais belas
zonas de Inglaterra. Primeiro o Lake
District, com uma beleza natural apenas ultrapassada na Escócia. Depois os North Pennines fazendo-nos pensar que
afinal Inglaterra não é assim tão populada e exibindo uma extensão considerável
de área quasi virgem.
Em termos logísticos fazer a C2C tem os seus desafios. Principalmente como
chegar ao local de partida e como sair do local de chegada. Os famosos caminhos
de ferro Ingleses não são os mais fáceis de combinar com a bicicleta por isso conseguir
apanhar um comboio com uma bicicleta é mais um caso de sorte do que de bom
planeamento e sabedoria. Não há pré-marcações e o comboio leva no máximo 2
bicicletas (independentemente do número de carruagens!).
Talvez melhor alternativa seja a de alugar um carro
deixando-o no ponto de partida e depois fazer o mesmo á chegada. Infelizmente
esta opção limita a escolha do local de partida e chegada. Dos pontos de
partida apenas Workington tem empresas Rent-a–car.
Pode-se sempre ciclar daí até ao
ponto de partida desejado e depois então começar a rota oficial. À chegada, em
Tynemouth (junto a Newcastle) ou em Sunderland há várias empresas rent-a-cars por isso esta opção acaba
por ser bastante prática para o regresso. As rent-a-cars em Inglaterra são relativamente baratas e por um dia de
car rental com drop-off a 300 kms de distância do ponto de recolha cobram cerca de
£50 (cerca de €70 à cotação actual).
Em relação à estadia a coisa é mais fácil. Existem inúmeros sítios para ficar e com excelentes condições para as pessoas e para as nossas queridas bicicletas. Aqui pode-se ficar desde hóteis de luxo a simplesmente acampar. Talvez o melhor compromisso sejam as pousadas que estão preparadas para os ciclistas com um nível de conforto bastante bom e sem o risco de que a chuva ou vento nos leve a tenda. Acreditem que independentemente da altura do ano em que escolherem fazer a C2C o mais provável é que chova, faz parte da experiência... Por isso acampar é uma opção que requer a devida consideração. Das duas vezes que fiz a C2C acampei na primeira vez e na segunda usei pousadas. Acampar é a opção mais barata com cerca de £5 a £8 por noite, mas são normalmente apenas quintas que decidiram abrir um dos campos para a malta montar a tenda. Ter duche e uma sanita só nos parques mais requintados. As pousadas custam entre £20 a £30 por noite... mas incluem pequeno almoço e o tão desejado duche!
No caminho há algumas opções
off-road para quem assim preferir… pois claro eu prefiro!
(aliás
há uma rota inteiramente off-road mas engloba, nalgumas secções, carregar a
bicicleta às costas. Eu sou todo por BTT, mas Btt-alpinismo não é bem para mim).
À saída de Alston após a subida mais dura da jornada
Não nos devemos esquecer de parar de vez em quando
para beber um chá
e apreciar a paisagem, afinal, a C2C é sobre a viagem, não
sobre o destino
Sobre
o caminho propriamente dito, é bastante acidentado com um total de 3300m de
acumulado. Looking on the bright side,
com belas subidas vêem belas vistas e aquela sensação de que o que sobe também tem
de descer. Assim, um desafio interessante é o de como dividir o percurso de
forma a equilibrar o acumulado. Fica a sugestão para o percurso feito em 3
dias:
Perfil topográfico
Dia 1
Dia 2
Dia 3
1900 feet não é muito (não chega a 600 metros)… mas
após 8 horas a ciclar
com vento contra acreditem que parecia que estava a
atravessar os pirinéus
Parte da ciclovia à saída de Keswick, uma estrutura em
madeira que nos leva sobre o rio, delicioso
Um dos muitos pontos para aproveitar a vista,… e beber
mais um
cházinho que a maior parte das vezes calha mesmo
bem para nos aquecer
mais um pouco
Como disse acima, o caminho é feito maioritariamente utilizando quer ciclovias
exclusivas para bicicletas quer vias secundárias onde apenas tractores e alguns
carros de pessoas locais passam. Coisa mais tranquila é difícil de encontrar. O
maior tráfego que vão apanhar são ovelhas e vacas junto ás bermas da estrada a
pastar. Isto soa mais a interior transmontano do que busy England mas é assim.
Também, ao contrário do que se pensa, os Ingleses são simpáticos! Onde quer
que parem podem pedir água ou direcções a quem quiserem. Nesta parte mais
relaxada do país todas as pessoas estão disponíveis para ajudar e eles adoram
dois dedos de conversa com totais desconhecidos. Vocês podem é não perceber o
que vos dizem... são precisos alguns anos de treino para perceber o sotaque de
pessoas nesta região (quase Escócia) e quando chegarem a Newcastle...esqueçam,
o Jordi accent é engraçado mas mais
ou menos como Açoreano cerrado (desculpem-me os Açoreanos). Não é surpresa que
a maioria das piadas inglesas incluem alguém de Newcastle (ou Birmigham) como o
bobo da anedota. Tenham paciência pois é muito boa gente e mais cedo ou mais tarde
lá percebereis o que vos dizem.
Bem, a título de conclusão, a C2C é uma excelente
experiência. Oferece paisagens fantásticas com desafios interessantes. Se
gostam de campo e de prados verdejantes então não há que enganar. O caminho é
tão variado que fazê-lo em alturas diferentes do ano parecem diferentes
caminhos. Quanto a mim… já estou a planear a próxima C2C, vai ser ainda este
ano!